Thursday, August 23, 2018

Um ladrão apaixonado.

 

      Está uma noite alta, escura, daquelas sem lua onde se suspeita a cada esquina e cada som é um silêncio para se tentar descobrir a sua origem. Debaixo dessa noite estão umas casas espalhadas e umas ruas entrelaçadas formando aquilo a que vulgarmente se chama aldeia. Está calor, um calor abafado, de trovoada como diz o povo. Nas aldeias ver gente na rua à noite não é muito usual. O hábito faz as pessoas deitarem-se cedo ou então porque também não há muitos sítios onde se ir, preferem o recanto das casas. Mas de vez em quando lá aparece um trausente como neste preciso momento. Um tipo no escuro, sozinho, a princípio não parece nada de especial. De vez em quando lá aparece um ou outro. Muitas vezes a regressarem do café ou do trabalho, quando trabalham até tarde, e também há aqueles que já passaram pela garrafa e procuram lembrar o caminho de casa. Mas vendo  melhor, este tipo faz desconfiar. Passa por todas as casas, tentando espreitar em cada uma e não parece que esteja em desiquibrio alcóolico. Também espreita ao redor mas com muito cuidado, como se não quisesse ser visto. Está calor, muito calor, calor de sauna. O indivíduo continua na sua estranha  investigação. E de repente um sorriso matreiro, uma janela aberta. O homem tira um objecto de um bolso das calças e desdobra-o. É um saco. O homem é um ladrão e prepara-se para entrar nessa casa. Fica perplexo com oportunidade tão flagrante e sorte tão exposta. Nem acredita que haja uma casa com uma janela aberta e aparentemente sem ninguém. O convite é tentador. Mas tão depressa avança como trava no seu intento e os seus olhos abrem-se como se tivessem visto uma luz ofuscante. Não é mas quase. Uma mulher completamente nua que se passeia no mais completo à vontade. Está mesmo muito calor e agora não só na rua mas também no coração do homem. O pobre fica siderado sem saber o que fazer. Ela é linda! Aquela casa deve ser um museu e a mulher uma estátua mágica que durante a noite fica real. O homem vai a um jardim duma casa vizinha, arranca umas rosas e faz um ramo. Deixa à porta da casa da mulher nua com a nota: "Um ladrão a quem você roubou o coração." Depois foi embora, feliz da vida, com o saco vazio.

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